“A verdade tem várias facetas” , Dr. QI, A Droga da Obediência.
Li esse livro com oito anos de idade. Logo que aprendi a ler pedi pra minha irmã ir na biblioteca pública do meu bairro, pegar alguns livros e um dos livros que ela me trouxe foi a “Droga da Obediência”, e a turma dos Karas se tornou minha nova meta de vida.
Quando li essa frase na inocência dos meus oito anos, achei que tinha compreendido a frase, era bem simples eu pensei, e me indignei em como os “adultos” subestimam a capacidade das crianças em entender algumas verdades da vida.
Bom, “a verdade tem várias facetas”, pensei “a história nunca tem um só lado”, e a partir daí aprendi a ouvir os dois lados de um fato. Acho que de certa forma isso me tornou um ser humano melhor, se não, ao menos menos intolerante. Mas, ainda sim, o Dr. QI era mal, dele nunca viriam boas atitudes. E da turma dos Karas, nenhum teria más escolhas, ou más atitudes, o bem era inerente a eles.Na minha cabeça, eu tinha que ouvir os dois lados da história, porque só assim o julgamento de quem era mal e bom ia ser realmente justo, mas o bem e o mal era como água e óleo, jamais se misturavam.
Fomos criados e postos pra dormir de maneira maniqueísta, o mal não tem motivo pra ser mal, ele é e ponto. E o bem bem no final vai vencer, foi assim com as princesas, com Alladin, é assim nos filmes que eu vimos na Sessão da Tarde, e é assim nos desenhos.
Ai crescemos um pouquinho, viramos adolescentes cheios de ideais pra que lutar, cheios de “ISSO É BOM, ISSO É MAL”, “isso é cultura, isso é lixo”, “eu sou informado, você é alienado”, “a culpa é da sociedade e dos malditos direitos humanos” “nunca vou fazer isso”, e o único critério pra esses julgamentos são o alto do próprio ponto de vista. Claro, que eu era diferenciada, “cabeça aberta”, eu tinha que ouvir os todos os lados, pra ai sim definir o que era bom e mal, assim preto no branco, sem crise. Minha bandeira era um “ACOMODADOS” em letras garrafais e meu hino de guerra era Ideologia, do Cazuza: “Pois aquele garoto. Que ia mudar o mundo. Mudar o mundo. Agora assiste a tudo. Em cima do muro. Em cima do muro!”.
Ai eu cresci um pouco, bem pouco na verdade, todas as coisas que eu julgava errada eu fiz, algumas coisa que fiz não considero mais errado e algumas continuam sendo, mas eu sou uma pessoa má por isso? Não acho que eu ter feito algo, anula isso do código moral e gera selo de validade “agora é certo”, o que quero dizer que as atitudes são mais cinzas que “preto e branco”.
Entrei na faculdade de Direito e a primeira coisa que aprendi é que não existe lei absoluta, que SEMPRE vai se aplicar a TUDO, nem mesmo os tais direitos humanos são. Exemplo: pena de morte não é permitido no Brasil (pra infelicidade da classe “preto e branca” que não percebe que a vida é bem mais cinza), mas em tempos de guerra é permitido. Pra um juiz dar sentença ele precisa analisar o caso concreto, ver suas peculiaridades, se afundar no mundo real cinzento e ai procurar uma lei que pareça um pouco com o fato concreto e mesmo assim, a sentença não é 100%. Porque não existem 100% e 0%, não há certezas quando se trata de seres humanos, somos complexos.
Na faculdade quando estudei teorias da justiça, optei pelo “meio termo” em teorias divergentes, porque cada uma explicava e poderia ser boa em certos casos e causar estragos irreversíveis em outros. Eu ficava em cima do muro, porque optar por um lado só, era desconsiderar o outro, era não ver que o mundo é cinza demais e precisamos ser maleáveis se não quebramos e em certos casos precisamos ser fortes e irredutíveis.
Então, hoje no auto dos meus 20 anos, com uma experiência mínima, procuro não julgar. Não julgar não significa achar correto é só ter em mente que se você tivesse as mesmas opções da pessoa, e tivesse passado pelas mesmas experiências você agiria diferente? E mesmo que sim, duvido que você julgaria.
A maioria dos meus julgamentos eu cuspi pra cima e to limpando até hoje o rosto dos efeitos. Então Cazuza, essa garota que queria mudar o mundo, ainda quer, mas percebeu que em cima do muro somos mais justos na mudança.
atencisamente,
Keyla
Pós-Texto: Tá vendo, você sempre achou que o comodismo era um defeito e eu fiz no mínimo você refletir no oposto. Desse texto posso citar dois autores que sintetizam meu pensamento:
“Só sei que nada sei”, meu querido Sócrates
“Justiça é tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida da sua desigualdade”, Aristóteles, o fantástico. Sendo, essa última frase a máxima que resume meu texto, é preciso analisar a realidade cinza, nada é tão igual ou desigual.